8.1 DA LEI DIVINA OU NATURAL - O bem e o mal
8.2 DA LEI DE ADORAÇÃO
8.2.1 Politeísmo
8.2.2 Sacrifícios
8.3 DA LE DO TRABALHO
8.3.1 Limite do trabalho - fèpouso
8.4 DA LE DE REPRODUÇÃO
8.4.1 Obstáculos à reprodução
8.4.2 Casamento e celibato
8.4.3 Poligamia
8.5 DA LE DE CONSERVAÇÃO
8.5.1 Gozo dos bens terrenos
8.5.2 Necessário e supérfluo
8.5.3 Rivações voluntárias - Mortificações
8.6 DA LEI DE DESTRUIÇÃO 8.6.1 Destruição necessária e destruição abusiva
8.6.1.1 Flagelos destruidores
8.6.1.2 Guerras
8.6.1.3 Assassínio
8.6.1.4 Crueldade
8.6.1.5 Pena de morte
A terceira parte de O Livro dos Espíritos trata das leis morais.
Antes de entrarmos no estudo pormenorizado de cada uma, vejamos o significado de lei e de moral.
Diz-se que lei é uma regra necessária e obrigatória que preside à relação de dois ou mais fenómenos, relação esta constante e invariável; também se pode entender como o conjunto de normas emanadas de um poder maior e soberano, estabelecendo uma obrigação que se impõe por si mesma.
Entende-se por moral tudo aquilo que diz respeito ao procedimento, que pertence ao domínio do espírito, da inteligência e dos bons costumes; diz-se que a moral é a luz condutora da consciência, formando um corpo de preceitos e regras, para dirigir as acções dos homens segundo a justiça para consigo próprio e para com os outros.
O enfoque espírita aceita estas colocações e desdobra-as, qualificando-as de acordo com uma ordem de sequência que fecha exactamente o ciclo de uma espiral evolutiva, começando pela Lei Divina ou Natural, terminando na perfeição moral, passando pelas leis de adoração, do trabalho, da reprodução, da conservação, da destruição, da sociedade, do progresso, de igualdade e de liberdade, de justiça, amor e caridade.
Parece uma escada ascensional formada por degraus que começam num ponto ideal - o princípio - e fecham em circuito sobre si próprios finalizando, em projecção, num ponto comum e igual, levando, porém, como carga, todo um processo de evolução, de crescimento, de madureza, de individualização consciencial.
É a lei de Deus, tendo-O como princípio imanente e transcendente do Universo, causa e meta, princípio e finalidade; é natural, porque Deus estando em tudo, e tudo em Deus, a natureza está prenhe de Deus, que está presente na energia que se transforma em matéria, tanto quanto no espírito que se transforma em consciência, porque nada existe sem ser em Deus.
Pbr ser uma lei natural é infeliz o que dela se afasta, não por desconhecê-la, mas por repudiá-la.
Sendo uma consequência da Sua presença, ela é eterna e imutável, quanto ao tempo e espaço, mas percebida pelos homens na medida em que evoluem e dilatam o seu universo consciencial.
Conforme seja considerada, a Lei Natural tanto rege fenómenos da matéria,
sendo estudada pelo homem ligado às ciências académicas, na Física, Química, Biologia, Astronomia, etc., como fenómenos do espírito, relacionado com o seu criador - Deus - ou com os seus semelhantes - outros homens e seres da natureza: animais, vegetais, minerais - formando as leis morais.
A lei natural, ou divina, está apropriada para cada mundo na faixa da sua evolução, embora seja a mesma sob o ponto de vista universal. Todos a compreenderão um dia, embora muitos a conheçam e não a consigam respeitar, sofrendo as consequências desse desrespeito.
Como está insculpida na consciência da criatura, ela é tanto mais compreendida quanto mais aperfeiçoado (evoluído) o ser, que devido aos seus maus instintos a esquece. Para tanto, a Bondade Divina providencia, de tempos a tempos, a vinda de espíritos superiores, que a encarnam em extensão e profundidade. Vivendo-a exemplarmente, servem como modelos catalisadores da mudança de costumes de uma população, de uma sociedade, da humanidade toda, dependendo do raio de acção de tais missionários.
Alguns falham, não conseguindo dar bom termo às suas tarefas e, entre os ensinamentos reais e verdadeiros, misturam os seus erros e fantasias, obrigando, assim, os seus seguidores a exercitarem, permanentemente, a análise e a crítica.
Na antiguidade eram conhecidos como profetas. Os verdadeiros eram os que não sobressaíam apenas pelas palavras, mas os que testemunhavam pelo exemplo vivo. Entre todos os que até hoje vieram ao encontro do homem o mais perfeito foi Jesus, que conseguiu, na sua longa jornada evolutiva, incorporar de tal forma as leis divinas que as vivia naturalmente, respirando-as através dos seus actos.
É o modelo mais perfeito que o homem tem. Hoje, os seus ensinamentos, vertidos em forma simbólica ou através de histórias, têm, pelo Espiritismo, uma explicação mais lógica e coerente com a época e os conhecimentos actuais, fugindo das características da antiguidade, quando os princípios das leis divinas e naturais eram tidos como mistérios, abertos apenas a alguns iniciados.
A Doutrina Espírita, com o seu corpo de ensinamentos, vem popularizar o conhecimento antes fechado às grandes massas, que tinham de se contentar em seguir de olhos vendados os seus pretensos mestres que, gozando da possibilidade do poder, abusavam da ignorância do povo, impingindo-lhe crendices e temores infundados, misturando conceitos de bem e de mal.
Para a Doutrina Espírita, a moral tem que ver com o procedimento, isto é, a ideia transformada em acção e em maneira de ser, visando o bem comum.
O bem seria a aplicação, nos limites do conhecimento e da possibilidade, das leis divinas, e o mal a ausência da aplicação destas leis ou, no caso contrário, a agressão a estas mesmas leis. Por intuição, o homem sabe o que é a lei divina, bas
tando, para isso, não se deixar dominar pelos seus interesses egoístas e vaidosos. Na máxima cristã de não fazer aos outros o que não quer que lhe façam, e mais, fazer aos outros o que gostaria que lhe fizessem, está o resumo de tudo. O mal não é uma criação activa de Deus. Apresenta-se no homem como parte da sua natureza; ele é a negação do bem que cumpre ser desenvolvido pelo homem, é a resistência criada pelo homem para a sua própria libertação e crescimento.
À medida em que o homem se desenvolve e sabe o bem que deve fazer, e se omite, não se esforçando por concretizá-lo, mais responsável se torna perante as leis divinas pelo mal que pratique. Este, tanto pode ser caracterizado pelas acções contrárias ao bem, quanto simplesmente pela ausência deste. Por isso, o nível de responsabilidade da consciência ignorante não é o mesmo que o do homem dito esclarecido, pois, dependendo das circunstâncias, como da falta de ocasião de praticá-lo, só o simples desejo de perpetrá-lo já dá ao homem um sentimento de responsabilidade pelas suas consequências.
Todos podemos praticar o bem, porque não consiste em o indivíduo considerar-se grandioso nos actos de caridade, mas, simplesmente, em tornar-se útil no nível evolutivo em que está.
Há mérito em se resistir ao mal que provém do meio em que se vive e, às vezes, isso ocorre como uma provação das nossas forças, podendo também o mal exercer um arrastamento forte sobre o carácter do indivíduo, mas nunca irresistível, pois a vontade é soberana em quaisquer circunstâncias, não se podendo atribuir ao meio a responsabilidade de actos que a consciência aprova ou não.
A lei natural, tratando-se do comportamento do homem em relação ao seu semelhante, é a do amor ao próximo como a si mesmo.
Todos compreendem, mesmo que inconscientemente, que acima de tudo existe um princípio criador, um ente supremo, Deus, que rege o Universo e as suas criaturas em todos os níveis de evolução.
O reconhecimento e a evolução do pensamento da criatura ao Criador caracteriza a adoração, que faz parte da lei natural, pois é um sentimento inato que se manifesta de formas diferentes.
A adoração interior é a verdadeira, é a do coração, mas a exterior, como bom exemplo, tem o seu valor relativo, desde que não seja uma acção falsa, nem tão- pouco mistificatória.
A adoração a Deus faz-se através do amor dedicado ao semelhante, sem afectação e publicidade, num processo de autopromoção provocada pelo orgulho e pela vaidade. É hipócrita todo aquele que cifra a sua atitude em actos exteriores e espalhafatosos, cuidando de manter uma imagem de pureza e superioridade. Ele cria, fermentando em torno de si, grupos de admiradores fanáticos, mas, na intimidade, demonstra os seus interesses rasteiros de aparecer como figura especial, em função da caridade que imagina prodigalizar.
A adoração a Deus é singela, simples, silenciosa e espontânea. Não necessita de arroubos nem de fanfarras que anunciem a intenção do fiel. A linguagem conhecida por Deus é a do coração.
A vida contemplativa, inerte, apenas de reflexão, é um desperdício, pois o potencial do homem deixa de ser usado em benefício do semelhante. A verdadeira adoração é a que nasce da acção útil em favor do outro, desenvolvendo, assim, os potenciais riquíssimos que a criatura humana possui e ainda não se deu conta.
A prece não deve ser confundida com uma adoração contemplativa, pois no acto de orar mobilizamos recursos de natureza interior que nos permitem enfrentar dificuldades sem nos abatermos, tanto quanto encontramos inspiração para novos cometimentos realizados a favor dos nossos semelhantes.
A prece feita com o coração e a alma torna o homem mais senhor de si, podendo lutar contra os seus maus próprios instintos, que o levam a ligações pouco felizes com entidades perturbadas e perturbadoras. A prece funciona como um escudo de protecção contra a invasão do mal de fora, que sempre se fundamenta no mal de dentro da criatura, que assim se vê presa de influências perniciosas e deletérias.
A eficácia da prece, contudo, dá-se quando quem ora consegue sair da sua concha de egoísmo e, descendo do seu pedestal de orgulho, passa a tratar o seu semelhante com amor e carinho, através de acções benéficas. A prece, pois, é uma forma do homem se carregar de energias e canalizá-las para o bem geral e, conse- quentemente, para o seu próprio bem.
De nada adianta orar, seja louvando seja pedindo perdão das faltas, se o indivíduo não procede a nenhuma mudança na sua maneira de ser, nem tão-pouco adianta simular uma atitude de adoração.
A Lei tem a finalidade de diminuir as dores e provas que cada um deve passar, em função dos seus próprios desacertos, e da necessidade de ultrapassar barreiras próprias e naturais do processo evolutivo (de crescimento espiritual).
A prece serve como elemento de motivação para enfrentarmos com dignidade e elevação as provas, mas nunca as diminuindo ou afastando-as do nosso caminho, pois o que mesquinhamente achamos um grande mal, dentro da nossa visão efémera e limitada, na origem geral das coisas, pode ser um bem.
A prece não muda os desígnios de Deus, mas dá-nos uma visão mais clara de como devemos agir, e, quando oramos por terceiros, não os eximimos dos seus sofrimentos, porém transmitimos-lhes o nosso sentimento amoroso, alcançando-os onde estejam, servindo a nossa prece como um refrigério às suas almas, e, a algumas, como um toque para a sua renovação interior, para abandonarem uma posição de inércia, trocando-a pela acção a favor de outros sofredores maiores que elas próprias. Forma- se, assim, uma sequência de relações simpáticas e de gratidão entre os espíritos, que aos poucos despertarão para o sentimento de amor recíproco e alcançarão, dessa forma, as recomendações do Cristo.
Incapaz, por falta de desenvolvimento das suas ideias, o homem atribuía, a princípio, tudo o que não conseguia explicar, à acção de deuses que se espalhavam pela natureza, a fim de atender-lhe os pedidos ou vingar-se, se não fossem reverenciados como desejavam. Para o homem primitivo, os deuses disputavam o poder entre si e chegavam a guerrear para mostrarem as suas forças.
O termo deus, a princípio, não significava o Senhor da Natureza, mas todo o ser existente fora das condições da humanidade. Confundiam-se os espíritos nas suas várias escalas evolutivas e as suas relações com os deuses. Era apenas uma questão de palavras, mas que, até hoje, através da devoção dos fiéis, se vê, amiúde, a prática politeísta.
Com o Cristianismo houve uma orientação segura quanto à definição de Deus como Pai amoroso e vigilante, sempre pronto para auxiliar seus filhos a redimirem-se, deixando de lado a imagem grosseira de um deus vingativo e cruel, irado e sujeito a alterações de humor, conforme o procedimento das criaturas humanas.
A doutrina de Moisés deu-nos como avanço cultural religioso a noção do Deus único, soberano e poderoso, exercendo tal poder sobre tudo e todos no Universo.
O facto de os homens primitivos ainda estarem mais influenciados pelos instintos, não tendo desenvolvido o senso moral, é que fez com que procurassem mostrar o seu respeito e devoção às divindades através de sacrifícios, principalmente de criaturas humanas, que valiam mais do que um animal que, a princípio, era objecto de escolha para tal. Como admitiam que o valor da crença era proporcional ao valor do que era sacrificado, procuravam agradar a Deus através dos sacrifícios humanos. Essa prática não era realizada propriamente por crueldade, mas originada por uma ideia errónea de querer agradar ao Pai.
Sem dúvida que, com o correr do tempo, os abusos instalaram-se e inimigos comuns e particulares passaram a ser executados com a desculpa de se estar fazendo uma obra piedosa e de adoração a Deus.
Uma época remanescente desta fase obscurantista foi a Idade Média, na qual centenas de milhares de pessoas foram imoladas para terem as suas almas salvas, desencadeando, através do mecanismo da lei de causa e efeito, acontecimentos que até hoje ocorrem no mundo, até ao restabelecimento final da ordem e da justiça nas consciências.
Deus julga os sacrifícios pela intenção e à medida que os homens evoluíram deixaram tais práticas, mantendo-as, apenas, a nível simbólico.
O melhor sacrifício perante os olhos de Deus não é a Sua defesa, nem dos Seus ensinamentos, através de lutas e guerras fratricidas, em que se pretende impor aos outros uma doutrina, mas sim através de uma acção amorosa, compreensiva, procurando ajudar o semelhante, seja de que forma for, minorando-lhe os sofrimentos e auxiliando-o a sair da escuridão da ignorância.
A melhor forma de adorar a Deus é trabalhar a favor da melhoria individual e do grupo em que se vive.
A necessidade do trabalho é lei da Natureza, isto é, é intrínseco no homem ter que trabalhar, para desenvolver o seu potencial intelectual e moral. Tanto é trabalho o do corpo quanto o da inteligência e, como resultado, temos uma aplicação moral desse trabalho, revertendo para o próprio indivíduo e para aqueles que o cercam, aumentando o seu património material e espiritual, do qual deve usufruir para a sua felicidade.
Enquanto o trabalho animal é puramente instintivo e condicionado, o do homem é racional e criativo, permitindo-lhe desenvolver os seus potenciais divinos, pois não visa, apenas, a conservação do corpo e os bens materiais. O homem evoluído faz do trabalho um meio para atingir os seus fins espirituais de socialização.
O trabalho existe em função das necessidades que, quanto menos materiais forem, mais inclinam o homem para um trabalho menos penoso sob o ponto de vista físico. As necessidades materiais exigem um trabalho material, as espirituais um espiritual.
Quanto mais meios o homem possui para a sua manutenção e sustento, mais obrigação moral tem de ser útil aos semelhantes, pois usar o que possui só para o seu gozo, caracteriza-o como egoísta e involuído. A posse de bens que extrapolem as suas necessidades obriga-o a ser útil aos semelhantes, sob pena de converter-se num entrave para o progresso moral e social do meio e da sociedade em que vive, podendo, de futuro, encontrar-se impossibilitado de desenvolver uma função voluntariamente desprezada, tendo que viver às expensas do trabalho alheio, sofrendo o peso dos limites que ele mesmo procurou.
Na sociedade actual, o trabalho dos pais a favor dos filhos (de uma maneira geral de uma geração anterior para uma sucessora) deve receber, reciprocamente, uma acção de ajuda mútua, estabelecendo uma cadeia natural de trocas, que estabilize a sociedade. O mais velho ajudando a criança a ser adulta; esta, alcançando a maturidade e o seu mais alto potencial produtivo, deverá ajudar e amparar os que por ela tanto fizeram e voltar-se, também, para as novas gerações, que precisam de ajuda e exemplos, e assim sucessivamente.
8.3.1. LIMITE DO TRABALHO - REPOUSO
O repouso, além de ter um papel na reparação das energias físicas, também serve como elemento importante na indução do espírito a procurar a liberdade da inteligência, alcançando a vertente da criatividade, fugindo, assim, do estreito anel das condições reflexas e limitantes de um trabalho rotineiro.
O limite do trabalho é o das forças. Todo o abuso que se cometa será considerado suicídio indirecto, se for autonomamente imposto pelo próprio interessado, ou escravidão vil, se da responsabilidade de um terceiro. Tanto uma como a outra atitude configuram uma transgressão da lei de Deus.
Num meio social que leve em conta a lei de produção e consumo, uma faixa etária nova é responsável pelo trabalho que assegure o bem-estar dos mais velhos, que já não podem produzir, mas que têm o direito de viver e gozar dignamente a sua velhice, pois ajudaram na educação dos mais novos que se prepararam para contribuir a favor da sociedade e do mundo.
É por isso que a lei de reprodução é importante na manutenção deste fluxo interminável, do qual são geradas as sociedades e a própria humanidade.
8.4. DA LEI DE REPRODUÇÃO
Evidentemente, a lei de reprodução é uma lei da Natureza, que assim provê, permanentemente, a renovação do património humano, não só de bens materiais, mas culturais e espirituais que, em conjunto, formam a humanidade.
Sempre crescendo geometricamente, a
população do globo terrestre ameaça chegar a um nível em que as condições da Terra não permitirão a todos viver. O
fantasma da sobrepopulação e da saturação angustia o homem de hoje, que apenas vê "um canto do quadro da natureza, não podendo julgar da harmonia do conjunto". Há mecanismos naturais que impedirão a implosão da Terra por excesso de população e escassez de meios e recursos de sobrevivência.
Velhas raças são apenas lembranças históricas que deram lugar a novas raças, que envelhecerão e terão que ser substituídas. Uma visão limitada não permite que entendamos com clareza os desígnios da Rovidência, que se fazem sem ou com o nosso conhecimento, e sem ou com o nosso consentimento.
Embora as raças possam ser substituídas, os espíritos que as encarnam são os mesmos seres em processo de evolução. Da força bruta dos nossos ancestrais primitivos evoluiu a força da inteligência, que consegue sobrepor-se aos elementos naturais, tirando-lhes, de maneira progressiva, a força, aplicando-a em benefício próprio e colectivo, o que não conseguem os animais.
Deus manifesta-se no homem através da sua inteligência, que é colocada ao serviço do aperfeiçoamento da própria natureza, dela extraindo forças capazes de o ajudarem no seu bem-estar e a realizar o progresso, que se torna meritório de acordo com a intenção dada pelos seus construtores.
8.4.1. OBSTÁCULOS À REPRODUÇÃO
A natureza é regulada por leis gerais, mas a acção inteligente do homem pode alterá-las, desde que o faça de acordo com as suas necessidades e sem abuso.
Esta acção inteligente do homem é que o distingue dos animais, porque age com conhecimento de causa, regulando os mecanismos da reprodução, conforme os seus desejos e necessidades, provendo, com esta regulação, um bem-estar social, económico e moral. Desde que o faça visando somente a sua sensualidade mostrará quanto ainda é material, já que predominam os valores do corpo sobre os da alma.
casamento é um progresso na marcha da
humanidade e a sua abolição seria uma regressão à vida animal.
Através do casamento os seres estabelecem entre si um vínculo de solidariedade fraterna, aprendendo a cooperar com o seu semelhante, abrindo mão de interesses pessoais e egoísticos.
A indissolubilidade do casamento é uma lei humana, que contraria a da natureza, que pré-estabelece a união geral dos seres, sem a formação fechada, permanente, de grupos que se enquistam e isolam dos demais. A estabilidade do casamento é dada pela união dos interesses dos cônjuges e pela sintonia espiritual que deve haver entre eles.
O celibato voluntário, procurado ou imposto a si mesmo como um estado meritório e de perfeição espiritual, não passa de uma grande mentira egoísta, desagradando às leis naturais e enganando o mundo, muitas vezes escondendo problemas de desajustes pessoais de ordem moral e sexual. O celibato torna-se meritório quando o seu móbil é o sacrifício pessoal, voltado para o bem da humanidade, mas sem qualquer ideia egoísta de autopromoção. O celibato deve ser aceite quando é espontâneo e não se reveste de qualquer tipo de compensação, elevando o homem acima da sua condição material. Ele só é verdadeiro quando não pesa para quem o vive e para quem não precisa de utilizar outros mecanismos de acção sexual para justificá-lo.
A poligamia é uma lei humana, nascida muito mais da sensualidade do que da afeição real, sendo a sua abolição um progresso.
Se fosse uma lei natural, deveria, com o tempo, ter-se universalizado, o que não ocorreu, por diversas razões. Ainda é encontrada no nosso mundo como remanescente de épocas passadas, estando sujeita a uma legislação especial, apropriada a certos costumes tradicionais, que o aperfeiçoamento social irá, aos poucos, modificando.
É uma lei da Natureza que todos os seres vivos possuem em diferentes graus, desde o maquinal, instintivo, até ao nível raciocinado.
Porque os seres vivos têm necessidade de viver para cumprimento dos desígnios da Ffovidência Divina, sentem instintivamente a lei de conservação como parte natural da sua constituição.
Os meios de conservação dados por Deus ao homem nem sequer são entendidos, principalmente os meios que a Terra lhe proporciona, que devem ser utilizados na medida do necessário, de forma sustentada, evitando o supérfluo. Quando nem o necessário é alcançado pelo homem no trato da terra, isso deve-se à imperícia do próprio homem, que não respeita as leis naturais.
Os esbanjamentos dos recursos materiais demonstram que o homem, no afã de
satisfazer as suas fantasias, se torna imprevidente no uso, caindo no abuso, tendo que sofrer nos dias de penúria.
"A natureza não pode ser responsável pelos defeitos da organização social, nem pelas consequências da ambição e do amor-próprio.”
Os bens da Terra devem ser entendidos como tudo o que o homem pode gozar neste mundo e, quando o homem não alcança este gozo, não pode, nem deve acusar a Natureza como imprevidente, mas reconhecer que é dele a responsabilidade pelo seu sofrimento, por não saber regrar o seu viver.
Se uns têm tanto e outros têm pouco, ou nada, deve-se reconhecer, por um lado, a existência do egoísmo que impede qualquer atitude altruísta e, por outro lado, a indolência e a acomodação, pois quem realmente busca e se esforça, por
pouco que tenha, sempre está fadado a conseguir mais e melhor, se não ficar apenas a reclamar sem produzir. Os obstáculos e impedimentos, a maioria das vezes, têm apenas a finalidade de experimentar a constância, a paciência e a firmeza.
Se cada um aprender a ocupar o seu lugar, não ocupando o espaço do semelhante, a organização social tende a apresentar-se de forma equilibrada e estável.
Os esforços dos vários povos que se utilizam de técnicas científicas para o aperfeiçoamento moral provam que o homem, utilizando a inteligência, pode melhorar o seu padrão de vida, desde que não caia em círculos egoístas e de opressão a terceiros. Estes, quando existem, geram condições de sofrimento futuro, devido à infracção da lei.
A necessidade de subsistência gera no homem a exigência do trabalho, que não deve ser escravo nem explorador. E qualquer tipo de malefício e crime que se cometa contra o próximo sempre gerará uma falta do tipo lesa-natureza com as consequências decorrentes. À medida que as sociedades e os mundos se diferenciam evolutivamente, a alimentação está em relação directa com a sua natureza, havendo ainda, nos mundos mais elevados, necessidade de alimentação, que não seria bastante substanciosa para os nossos estômagos ainda grosseiros.
O gozo dos bens terrenos é um direito consequente à necessidade de viver e serve para experimentar o homem, desenvolvendo-lhe a razão, preservando-o dos excessos e abusos, educando-o desta forma. Todas as vezes que o homem ultrapassa o limite do necessário cai no excesso, amargando o gosto da saciedade e perdendo o estímulo do prazer, punindo-se, desta forma, automaticamente.
O homem ponderado estabelece o limite do necessário pela intuição e pela experiência, embora a própria natureza estabeleça a linha divisória do uso e do abuso, conhecendo-se este pelos resultados nefastos dele decorrentes.
Sem saúde e sem força, o homem não consegue desenvolver convenientemente o seu trabalho, que tem como finalidade prover as necessidades do corpo, sendo natural o seu desejo de bem-estar, desde que não conseguido à custa de ou- trem.
8.5.3. PRIVAÇÕES VOLUNTÁRIAS - MORTIFICAÇÕES
Todo e qualquer esforço que se faça para a privação dos gozos inúteis desprende o homem das suas paixões materiais, elevando a sua alma, que se dignifica
ainda mais quando o homem abdica dos seus prazeres para fazer a felicidade do semelhante, através do auxílio fraternal.
A utilização de medidas simuladas, com a finalidade de apenas crescer perante os olhos humanos, além de não trazer nenhum auxílio espiritual para o homem, ainda o coloca como ser hipócrita que, com máscaras, procura impressionar o seu semelhante.
A privação, por exemplo, de certos alimentos, é tomada como prova de superioridade, embora a constituição do homem exija, para a manutenção das suas forças e da sua saúde, a ingestão de proteínas animais, sendo coerente esta privação somente se for séria e útil, isto é, se não for apenas para sobressair, com o uso de sentimentos de falsa superioridade.
Todo e qualquer sofrimento que não seja natural, portanto criado pelo próprio homem com a finalidade de agradar a Deus, não leva a nada, porque, no fundo, está apenas a atender ao seu egoísmo; mortifica-se inutilmente.
Melhor faria se usasse as suas energias para atender ao semelhante que sofre dificuldades, exercitando o seu desprendimento em acções que resultassem em algo útil para alguém e não apenas fustigando o seu corpo de maneira egoísta.
8.6.1. DESTRUIÇÃO NECESSÁRIA E DESTRUIÇÃO ABUSIVA
Ao que chamamos destruição nem sempre o é; não passa de uma forma de regeneração, de transformação, pois vivemos num Universo em que "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”
Os seres vivos, para se alimentarem, destroem-se
reciprocamente, seguindo esta aparente destruição dois fins:
1. Manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, quebrando a dinâmica de interdependência que existe entre os seres;
2. Utilização dos despojos do invólucro exterior que sofre a destruição. Esse invólucro é simples acessório; a parte essencial do ser pensante é o princípio inteligente, que não se destrói, mas se elabora nas metamorfoses diversas por que passa.
Os meios de preservação de que a própria Natureza é dotada têm a finalidade de evitar que a destruição se dê antes do tempo, o que inibiria o desenvolvimento do princípio inteligente.
O medo inconsciente do homem pela morte é a manifestação do instinto de conservação animal; é a manifestação inconsciente da necessidade que o seu espírito tem de se desenvolver. Por isso, deve enfrentar as provações da vida sem apelar para
a fuga das reclamações, das acusações indevidas, nem tão-pouco aspirar à morte física como forma de resolver os problemas que o alcançam.
A necessidade de destruição, para estabelecer o equilíbrio ecológico e psicológico, é proporcional à natureza dos mundos, cessando quando o físico e o moral se acham mais depurados do que aqui na Terra; são características de mundos mais adiantados que o nosso. Mesmo aqui na Terra, à medida que há uma maior depuração, o sentimento de preservação sobrepuja o de destruição, dando ao homem melhor posição no seu desenvolvimento intelectual e moral.
O direito de destruição sobre os animais, bem como sobre os vegetais, está regulado pela sua necessidade, pagando o homem alto preço por qualquer abuso que cometa, denotando apenas a predominância dos seus instintos bestiais destrutivos.
destruição dos animais é evitada, por excesso de escrúpulo ou por imposição religiosa, o facto, louvável em si, passa a ser, apenas, manifestação supersticiosa, pois o homem excede- se de outra maneira. Só é válida quando aceite interiormente, sem riscos para o seu bem-estar ou sobrevivência e sem revolta.
8.6.1.1. Flagelos destruidores
Os flagelos destruidores são permitidos por Deus na medida em que os resultados que deles advêm, e que nem sempre são vistos, admitidos e aceites pelo homem, os leva a uma regeneração moral, dando origem a uma melhor ordem, que se realiza em poucos anos, em vez de alguns séculos.
São meios de aceleração do progresso da humanidade que, pelas dificuldades, se vê obrigada a mudar a maneira de agir. Tais meios, porém, são de excepção, pois, regularmente, o homem tem, como meio de progredir, o conhecimento do bem e do mal que, não sendo convenientemente usado, resulta em medidas de excepção, tomadas pela lei de equilíbrio que rege a vida das pessoas, dos grupos, das sociedades, das nações e da humanidade.
Ptelo facto dos espíritos preexistirem e sobreviverem a tudo, eles formam o mundo real. Os seus corpos físicos e o meio físico no qual desenvolvem as suas po- tencialidades espirituais são meros instrumentos de aperfeiçoamento do verdadeiro eu espiritual. Portanto, quaisquer flagelos que nos atinjam, enquanto encarnados e pelo tempo que for, nada mais serão que meios de educação para a eternidade.
Paciência, resignação, abnegação, desinteresse, amor ao próximo, são sentimentos que caracterizam o homem livre do egoísmo. A forma pela qual são conquistados é secundária, tanto podendo ser pelo amor como pelo sofrimento, dependendo da nossa opção.
Grande parte dos flagelos são resultantes da imprevidência e do abuso, como se fossem um contragolpe às manifestações orgulhosas e cheias de vaidade do homem.
8.6.1.2. Guerras
As guerras, por exemplo, são o resultado da predominância da natureza animal sobre a espiritual, pois nascem, e são fomentadas pelos interesses egoístas de grupos que lutam pelo poder e escravizam e subjugam para mantê-lo.
A guerra desaparecerá da Terra quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus - amar ao próximo como a si mesmo e a Deus acima de todas as coisas (Deus como símbolo da Harmonia e do Equilíbrio).
A guerra ainda existe na Terra como uma forma usada pelos segmentos da sociedade discordantes e conflitantes entre si - mecanismo servo e senhor - para haver uma libertação do que se encontra escravizado e explorado, dando-lhe possibilidade de progresso e também manejo do mundo, colocando o que estava na posição de senhor como obrigado a sair da sua função de bem-estar para a de luta e trabalho, que levarão todos ao progresso. A alternância destas duas posições - mando e submissão - é que ensina o homem, na sua viagem pelas diversas encarnações, a desenvolver o equilíbrio e o amor ao semelhante.
No caso de assassínio, o mal está no facto de uma vida de expiação ou de missão ter sido interrompida pela morte imposta, mas o grau de culpabilidade de quem assim agiu está na intenção com que o cometeu; cada tipo tem a sua pena, conforme a sua especificidade intencional. Nos casos de legítima defesa, só a necessidade de assim agir, baseada na impossibilidade total de preservar a vida sem atentar contra a vida do agressor, é que tem a escusa divina. Nas guerras, o homem não é culpado quando constrangido à força, mas qualquer crueldade, como qualquer gesto de bondade e humanidade, pesarão no seu julgamento.
O aborto, mesmo o protegido pela legislação humana, é considerado um crime, variando a penalidade conforme a intenção que o motive.
A natureza ainda inferior do homem condu-lo à destruição e à crueldade, que é a sua maneira de ser materialista, pois apenas experimenta as necessidades da vida do corpo os que agem cruelmente, por não se darem conta da continuidade da vida
em outros níveis. A crueldade deriva da falta de aplicação do senso moral que grada- tivamente se desenvolve nos seres, cumprindo aos homens bons, já moralizados, anularem pelas suas acções a influência dos maus e pelos seus exemplos auxiliarem a transformação gradativa dessas criaturas.
O desenvolvimento moral enfraquece o domínio das faculdades puramente animais que predominam nos homens inferiores. Assim se abafa e neutraliza a so- breexcitação dos instintos materiais a favor do senso moral, ainda incipiente nos pouco evoluídos. No meio dos bons, às vezes aparece uma ovelha desgarrada, que nada mais é que um espírito inferior, disposto esperançosamente a melhorar, mas, não tendo estrutura, deixa-se levar pela predominância da sua natureza primitiva. Porém, com a sucessiva passagem em diversas experiências corporais, neste ou noutros mundos, todos os espíritos estão fadados a desenvolver as suas potencialidades divinas, que são atributos inalienáveis de todo o ser criado por Deus.
Terá o homem o direito de tirar a vida de outro homem, mesmo que este tenha tirado a vida a alguém?
A pena de morte é contrária à lei de Deus, e a sua manutenção é traço do atraso espiritual dos povos que a mantêm e sustentam. Há outros meios de evitar que um elemento perigoso ponha em risco a vida de outras pessoas. De resto, matando o seu corpo a sociedade não se está a livrar da sua má influência, negativa e revoltada, pois, como espírito, continuará associado ao meio criminoso, inspirando criaturas frágeis, que funcionam como instrumentos de acção em busca de vingança e satisfação dos seus instintos cruéis. Procurar, de todas as formas, regenerar o criminoso, tentando reparar um mal que começou a ser feito quando ele foi relegado ao abandono e à marginalidade na infância, reconhecendo que a maior parte da criminalidade surge por falta de educação e condições sociais mínimas, em face do desequilíbrio existente na má distribuição dos bens e da riqueza, que são acumulados egoisticamente por pequenos grupos, que passam a vida inteira preocupados em fazê-los crescer e preservando-os como único meio de satisfação e felicidade. A marginalidade é a cobrança social que a própria lei de causa e efeito promove pela falta de investimento na educação e nas condições básicas de sobrevivência.
Nota-se, igualmente, grande número de criminosos e assaltantes que agem de maneira refinada e elegante, escapando quase sempre das malhas da lei humana, mas que jamais poderão escapar das leis divinas, que estão presentes em todas as situações de vida.
A pena de morte imposta a quem matou não encontra fundamento e justificação na lei divina, porque somente o Criador pode dispor da vida da criatura.
Geralmente, quem foi causa de sofrimento para o seu semelhante virá a enfrentar situações em que sofrerá o que tenha feito sofrer a outrem, pois as leis matemáticas, inscritas nos mecanismos da consciência individual, ditam a essa mesma consciência que qualquer equilíbrio rompido deve ser recomposto com o trabalho de quem o desajustou. Quando a pena de morte é imposta em nome de Deus comete- se um verdadeiro sacrilégio, pois, orgulhosamente, o homem autopromove-se a criação divina de distribuidor da justiça, colocando-se, assim, distante da compreensão verdadeira de Deus. Vaidosamente, o homem coloca-se na condição de substituto de Deus, sobrecarregando-se com todos os males que assim promover.
São regras constantes e invariáveis que emanam de Deus e que têm por finalidade auxiliar o desenvolvimento consciencial do espírito. O Espiritismo coloca-as numa sequência crescente, tendo como início um ponto a partir do qual elas se desenvolvem em espiral (símbolo da evolução), fechando ciclos que as incluem, e a cada ciclo o espírito as retoma num nível superior, desenvolvendo-as em si próprio, e assim sucessivamente, na direcção de um aperfeiçoamento infinito, que significa o alargamento da consciência.
É o princípio imanente e transcendente do Universo - a presença de Deus na criação. Por ser eterna, é imutável e percebida pelas pessoas à medida que crescem consciencialmente.
Ela está apropriada ao elemento que abrange - elemento material (leis físicas) e elemento espiritual (leis morais) - e também ao nível de evolução do mundo em que é aplicada. Para ajudar à sua dinamização nas consciências individuais, de tempos a tempos, encarnam espíritos superiores no seio da humanidade, que a vivem de modo integral, servindo de catalisadores para os homens que as mantêm ainda embrionárias. Tal fenómeno faz parte do mecanismo da lei de evolução.
Alguns, no entanto, não dão cumprimento integral à sua missão, misturando as suas coisas pessoais com aspectos da lei maior, o que exige dos seus seguidores um permanente estado de alerta e de análise crítica.
O modelo mais perfeito até hoje é Jesus - sublime catalisador da consciência humana.
O bem é a aplicação da lei divina na medida da consciência individual (de cada um) e o mal é a sua ausência, após o seu conhecimento. Os níveis de responsabilidade moral decorrem do nível de consciência individual . O bem não se manifesta apenas pelas acções grandiosas, mas pela singeleza de ser útil no momento adequado.
A vontade do homem, clareada pela sua consciência, é que o impele a buscar a perfeição, através do amor a Deus (respeitando a lei natural) e ao semelhante, concretizando o preceito: Faz aos outros o que gostarias que te fizessem.
Para o Espiritismo, a adoração a Deus significa acção constante no bem. Deixa, assim, de ser atitude passiva, para tornar-se acção construtiva no caminho do próximo. Pode, no entanto, ser mistificada pela intenção vaidosa, mas o que assim a pratica recebe de acordo com a lei de causa e efeito.
A linguagem da lei de adoração é a linguagem que sai do coração.
A oração é um acto dinâmico de sensibilização interior e de movimentação de energias subtis, que tornam o homem mais senhor de si, vencendo os seus instintos perturbadores, promovendo-se à condição de dínamo vivo de forças espirituais, que fluem naturalmente dos seus actos.
A prece é um processo que a consciência humana usa para mergulhar nas fontes inesgotáveis do Poder Maior, com vistas a desenvolver-se e equipar-se convenientemente, a fim de resistir às influências negativas a que está sujeita pela sua própria pequenez espiritual. Serve como estímulo para incentivar consciências a deixarem as faixas inferiores do sofrimento, pois é veículo de transfusão energética à distânadoração a Deus é o acto da consciência transformado em acção útil a favor do semelhante.
O trabalho é meio de desenvolvimento dos potenciais intelectual e moral do espírito. Tem a finalidade de trazer o bem-estar e a felicidade à criatura humana.
Não deve ser encarado como um castigo, nem tão-pouco usado como meio de exploração, mas deve ser, antes, meio de troca de benefícios recíprocos, auxiliando ao entendimento e à fraternidade entre as sociedades, grupos e homens entre si. O limite do trabalho está na aceitação do repouso como elemento de refazimento das forças e no cuidado para não se cair no abuso, excedendo as próprias forças, que será suicídio indirecto, quando auto-imposto, ou escravização ignóbil, quando aplicado por outrem.
Os mais velhos têm o direito de repouso no final da sua existência, pelo muito que fizeram em prol das gerações novas, que devem aprender com eles e testemunhar-lhes amor e reconhecimento, através dos cuidados que eles merecem.
É através dela que a humanidade se renova nos seus bens patrimoniais, sejam materiais, culturais ou espirituais.
O crescimento geométrico da humanidade pode parecer uma ameaça ao crescimento aritmético da produtividade e dos bens que o homem utiliza, mas a lei divina provê o próprio homem de meios e recursos que, quando utilizados, instalarão na Terra um novo modelo de relação entre os povos, baseado no respeito mútuo, na fraternidade e no amor.
A lei de reprodução permite ao homem transmitir aos seus descendentes o seu aprendizado, que ganhará novas dimensões a partir da contribuição criativa destes, os quais transmitirão os resultados das suas conquistas aos seus sucessores, e assim sucessivamente, criando a história da humanidade.
Todo o embaraço à marcha da Natureza é contrário à lei geral. Todavia, a acção inteligente do homem é um instrumento de que Deus dispõe para restabelecer o equilíbrio, podendo regular a reprodução, quando necessário.
O casamento é veículo da reprodução ordenada e educativa, que tem por finalidade restabelecer as bases seguras de uma civilização activa e elevada, voltada para os seus interesses espirituais de desenvolvimento moral.
O celibato, como medida defensiva da reprodução, é meio egoísta de vida e só é louvável quando dele decorrem benefícios colectivos, quando é espontâneo, quando não se reveste de qualquer tipo de fuga, sinais característicos de alma doente.
Por terem que defender a sua vida material - instrumento de evolução do princípio inteligente individualizado - os homens, seja instintiva seja racionalmente, desenvolvem meios de conservação, caindo, no entanto, amiudadamente, em excessos.
A própria Terra oferece meios para a sua sobrevivência, desde que trabalhada com respeito, medida e perícia.
Os defeitos da organização social e a ambição de grupos têm feito o homem topar com a infelicidade no trato das coisas da própria Terra. O uso abusivo de substâncias tóxicas, com vista a melhorar a qualidade e quantidade dos produtos da Terra, tem trazido ao homem consequências nefastas no campo económico e da saúde, fruto do egoísmo e da imprudência.
Os bens da Terra devem ser estendidos a todos os habitantes, e não a pequenas minorias que se privilegiam graças à utilização de expedientes exploratórios, mantendo a grande massa em condições de subalternidade e sub-humanidade.
O egoísmo, por um lado, a indolência e a acomodação, por outro, formam triste quadro de miséria e de fome em que a humanidade se submerge.
Tais obstáculos e impedimentos são meios de estimular os homens, primeiro para o altruísmo e segundo para o trabalho e cooperação.
O trabalho deve ser visto e exercido como meio de desenvolvimento, e não como instrumento de consumo. Trabalhando, o homem desenvolve o seu património intelectual, moral e espiritual e deve produzir apenas o necessário para a sua subsistência e conforto, não precisando de criar necessidades artificiais para consumir o que produziu, e que apenas dá lucro a uma pequena minoria de produtores gananciosos.
Toda as vezes que o homem ultrapassa o limite do necessário, ingressando no campo do abuso e do excesso, desencadeia mecanismos dolorosos, que o conduzem ao caminho do desequilíbrio.
Toda e qualquer destruição é apenas aparente, pois no Universo tudo se transforma.
Na vida animal e vegetal, a auto e a heterodestruição objectivam duas finalidades:
a) Manutenção do equilíbrio na reprodução;
b) Possibilitar as diversas metamorfoses pelas quais todo o ser vivo deve passar.
Na Natureza existem mecanismos reguladores que evitam os excessos que levariam à extinção.
A Natureza oferece meios de preservação e conservação aos seres vivos, a fim de que a destruição não se dê antes do tempo, prejudicando, assim, o desenvolvimento do princípio inteligente.
Paga alto preço aquele que se excede na destruição da vida, em qualquer nível de manifestação.
Os flagelos destruidores, que tanto afectam o homem, têm uma finalidade que escapa à percepção do homem comum, que apenas enxerga em derredor; geralmente têm uma finalidade regeneradora moral colectiva, obrigando o homem a realizar em poucos anos o que pela sua indolência habitual levaria séculos. É uma forma de aceleração do progresso, na medida em que o homem abdica do seu livre- arbítrio, buscando-o através do esforço, do trabalho e do bem ao semelhante. Os flagelos são contragolpes que a própria natureza oferece ao homem que pauta as suas atitudes pelo egoísmo e pela vaidade.
A guerra é um exemplo típico do mecanismo de crescimento pela dor; ela deixará de existir quando os homens aprenderem a respeitar os direitos do semelhante e quando as oligarquias escravagista cederem lugar ^ a grupos dirigentes que saibam usar a justiça social, utilizando o amor ao próximo. É pela guerra que a alternância do poder se estabelece, dando hipótese a que o mecanismo servo-senhor se inverta quantas vezes forem necessárias, até ao aprendizado completo da faculdade de saber mandar e de saber obedecer.
Todo o assassínio é uma agressão à lei de conservação, mas as penas advindas são proporcionais ao móbil do acto e à sua intenção, cabendo às leis divinas a avaliação definitiva. O aborto enquadra-se neste princípio.
A crueldade é um traço característico da inferioridade do espírito que a comete; identifica os espíritos ainda em estado embrionário, mas que um dia ainda assumirão inteiramente o desenvolvimento das suas potencialidades divinas —património comum a todas as criaturas.
A pena de morte é um resquício da mentalidade vingativa do homem, que não se apercebeu ainda de que a marginalidade é fruto do seu descaso com o próximo. Não resolvendo as causas determinantes do mal - falta de educação, de saúde e de justiça social - sofre-lhes as consequências.
Como não se preocupa em atender convenientemente à criança (causa), tem que tentar corrigir o adulto (efeito). Mas com a pena de morte essa correcção torna- se impossível.
Somente a Deus cabe dispor da vida da criatura, não sendo correcto o homem matar o seu semelhante. A pena de morte torna-se hedionda quando o homem a aplica em nome de Deus, intitulando-se seu representante; isso é uma forma mascarada de exteriorizar os seus instintos homicidas, escondendo-se sob a capa da religião.
Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Terceira Parte - Cap. 1 a 6 - 36a Edição (Popular) da Federação Espírita Brasileira, traduzido do título original francês Le Livre des Es-- prits, editado em Paris em 18-4-1857
[1] Todo este caderno foi elaborado com base no Livro dos Espíritos, 3.a Farte, Cap. 1 a 6.
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