10.1 PENAS E GOZOS TERRENOS
10.1.1 Felicidade e infelicidade relativas
10.1.2 Pterdas de entes queridos
10.1.3 Decepções, ingratidão, afeições destruídas
10.1.4 Uniões antipáticas
10.1.5 Temor da morte
10.1.6 Desgosto da vida - Suicídio
10.2 PENAS E GOZOS FUTUROS
10.2.1 O nada - A vida futura
10.2.2 Intuição das penas e gozos futuros
10.2.3 Intervenção de Deus nas penas e recompensas
10.2.4 Natureza das penas e gozos futuros
10.2.5 fènas temporárias
10.2.6 Expiação e arrependimento
10.2.7 Duração das penas futuras
10.2.8 P&raíso, inferno e purgatório
O homem terreno pode gozar apenas de uma felicidade incompleta, pois a vida foi lhe concedida para realizar uma evolução intelecto-afectiva, que o faz passar por provas ou expiações.
Contudo, depende dele abrandar os seus males e ser tão feliz quanto é possível na Terra.
10.1.1. FELICIDADE E INFELICIDADE RELATIVAS
Na maioria das vezes o homem é o artífice da sua própria infelicidade.
Se praticasse a lei de Deus, livrar- se-ia de muitos males e gozaria da felicidade possível à sua existência num plano grosseiro.
O homem ciente do seu destino futuro vê na existência corpórea apenas uma rápida passagem; ele consola-se facilmente depois de alguns aborrecimentos passageiros.
Recebemos, nesta vida, os efeitos das infracções que cometemos às leis da existência corpórea, pelos próprios males decorrentes dessas infracções e pelos nossos próprios excessos. Se remontarmos, pouco a pouco, à origem do que chamamos infelicidade terrena, veremos esta como consequência de um primeiro desvio do caminho certo. Em virtude desse desvio inicial, entramos num mau caminho e, de consequência em consequência, caímos no infortúnio.
A felicidade terrena é relativa à posição de cada pessoa. Entretanto, podemos dizer que há uma medida comum de felicidade para todos os homens, expressa da seguinte forma: para a vida material, é a posse do necessário; para a vida moral, a consciência pura e a fé no futuro.
Todavia, a medida do necessário e do supérfluo varia segundo as pessoas. Há algumas que têm muito e acham que não têm aquilo de que necessitam, enquanto outras se contentam com pouco. "O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha sempre para baixo e não para cima, a não ser para elevar sua alma ao infinito.” ([*])
Os males que dependem da maneira de agir, e que ferem o homem mais justo, devem ser encarados com resignação e sem queixas para se poder progredir. O homem tira sempre uma consolação da sua própria consciência, que lhe dá a esperança de um futuro melhor.
Aos olhos de quem apenas vê o presente, certas pessoas parecem favorecidas pela fortuna sem a merecerem. Pbrém, a fortuna é uma prova, geralmente mais perigosa do que a miséria.
De ordinário, os males da vida terrena estão relacionados directamente com as necessidades artificiais que criamos. Aquele que soubesse restringir os seus desejos e olhasse sem inveja os que estivessem acima dele, livrar-se-ia de muitos desenganos nesta vida. O mais rico seria o que menos necessidades tivesse.
Deus permite que o mau prospere algumas vezes, mas a sua felicidade não é de causar inveja porque a pagará com lágrimas amargas. "Quando um justo é infeliz, isso representa uma prova que lhe será levada em conta, se a suportar com coragem.”
O homem só é verdadeiramente infeliz quando sofre da falta do necessário à vida e à saúde do corpo. Todavia, pode acontecer que essa privação seja de sua culpa. Então, só tem que se queixar de si mesmo. Se for ocasionada por outrem, a responsabilidade recairá sobre aquele que a causou.
Muitos dos males originam-se de não seguirmos a vocação que determina as nossas aptidões naturais. "Muitas vezes são os pais que, por orgulho ou avareza, desviam seus filhos da senda que a natureza lhes traçou, comprometendo-lhes a felicidade, por efeito desse desvio. Responderão por eles.”
Em afastarem-se os homens da sua esfera intelectual reside indubitavelmente uma das mais frequentes causas de decepção. A inaptidão para a carreira abraçada constitui fonte
inesgotável de reveses. Depois, o amor-próprio, sobrevindo a tudo isso, impede que o que fracassou recorra a uma profissão mais humilde. Se uma educação moral o houvesse colocado acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais se teria deixado apanhar desprevenido.
Há pessoas em cujo derredor reina a fartura e, apesar disso, encontram-se baldas de todos os recursos e têm diante de si apenas a perspectiva da morte. Todavia, ninguém deve reter a ideia de se deixar morrer à fome. Achariam sempre meio de se alimentar, se o orgulho não se colocasse entre a necessidade e o trabalho. Não há ofício desprezível; não é o estado do homem que o desonra.
Com uma organização social criteriosa e previdente, só por culpa sua, pode faltar ao homem o necessário. Porém, as suas próprias faltas são frequentemente resultado do meio em que se acha colocado. Quando praticar a lei de Deus, terá uma
ordem social fundada na justiça e na solidariedade e ele próprio também será melhor.
Na sociedade, geralmente as classes sofredoras são mais numerosas que as chamadas felizes. Mas, na verdade, nenhuma é perfeitamente feliz, pois, muitas vezes, há ocultas pungentes aflições. As classes a que chamamos sofredoras são mais numerosas por ser a Terra lugar de expiação. Quando o homem a transformar em morada do bem e de espíritos bons, deixará de ser aí infeliz e será para ele o paraíso terrestre.
Diz-se que no mundo, muito amiúde, a influência dos maus se sobrepõe à dos bons. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são reservados. Quando estes o quiserem, preponderarão.
Algumas vezes os sofrimentos materiais independem da vontade do homem, que é o próprio causador deles. Porém, mais do que estes, os sofrimentos morais são gerados pelo orgulho ferido, pela ambição frustrada, pela ansiedade da avareza, pela inveja, pelo ciúme e todas as paixões que são torturas da alma.
Normalmente, o homem só é infeliz pela importância que liga às coisas deste mundo. Se se colocar fora do círculo acanhado da vida material, se elevar os seus pensamentos para o infinito, que é o seu destino, as vicissitudes da humanidade parecer-lhe-ão mesquinhas e pueris, como o são as tristezas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo que resumia a sua felicidade suprema.
Como civilizado, o homem raciocina sobre a sua infelicidade e analisa-a. É por isso que esta o fere. Mas, também, é-lhe facultado raciocinar sobre os meios de obter consolação e de os analisar. Essa consolação, encontra-a no sentimento cristão, que lhe dá a esperança de melhor futuro - o Espiritismo dá-lhe a certeza desse futuro.
10.1.2. PERDAS DE ENTES QUERIDOS
A perda dos entes que nos são caros constitui para nós uma legítima causa de dor. Essa dor atinge o rico como o pobre e representa uma prova ou expiação.
Temos, porém, a consolação de nos comunicarmos com eles através dos médiuns, enquanto não dispusermos de outros meios mais directos e mais acessíveis aos nossos sentidos.
Os entes queridos, quando já se encontram em condições espirituais para isso, colocam-se ao nosso lado e respondem-nos, através das leis naturais da comunicação. Auxiliam-nos com os seus conselhos, testemunham-nos o afecto que nos guardam e a alegria que experimentam por nos lembrarmos deles.
O espírito é sensível à lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra. Porém, as dores inconsoláveis e desarrazoadas o tocam penosamente, pois nessa dor excessiva vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por isso, um obstáculo ao adiantamento dos que o choram e talvez à sua reunião com eles. O Espiritismo dá-nos suprema consolação ao explicar-nos o porquê da vida
Estando o espírito mais feliz no Espaço que na Terra, lamentar que ele tenha deixado a vida corpórea, é deplorar que seja feliz.
Ptelas provas patentes que ministra da vida futura, da presença em torno de nós daqueles a quem amamos, da continuidade da afeição e da solicitude que nos dispensavam; pelas relações que nos faculta manter com eles, a Doutrina Espírita oferece a suprema consolação por ocasião de uma das mais legítimas dores. Com o Espiritismo, não há mais solidão, nem abandono: o homem, por muito isolado que esteja, tem sempre perto de si amigos com quem pode comunicar-se.
10.1.3. DECEPÇÕES, INGRATIDÃO, AFEIÇÕES DESTRUÍDAS
"Para o homem de coração, as decepções oriundas da ingratidão e da fragilidade dos laços da amizade são também uma fonte de amargura."" Porém, devemos lastimar os ingratos e os infiéis; serão muito mais infelizes. A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta encontrará corações insensíveis como o seu.
O bem deve ser praticado sem exigências; a ingratidão é uma prova à nossa perseverança no exercício do bem. Os ingratos serão punidos na proporção exacta do seu egoísmo. Por isso, o homem não deve endurecer o seu coração e tornar-se insensível perante a ingratidão. Ao contrário, deve sentir-se feliz pelo bem que faz.
É verdade que a ingratidão lhe ulcera o coração. Porém, não deve preferir a felicidade do egoísta e tornar-se indiferente pela ingratidão que recebe. Deve saber que os amigos ingratos não são dignos de sua amizade e que se enganou a respeito deles. Assim sendo, não lamenta tê-los perdido. Mais tarde achará outros que saberão compreendê-los melhor. Os ingratos merecem ser lastimados, pois bem triste se lhes apresentará o reverso da medalha.
A Natureza deu ao homem a necessidade de amar e de ser amado. Um dos maiores gozos que lhe é concedido na Terra é o de encontrar corações que simpatizem com o seu. Dá-lhe, assim, as primícias da felicidade que o aguarda no mundo dos espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benignidade. Desse gozo está excluído o egoísta.
Como podemos observar acima, os espíritos simpáticos buscam- se reciprocamente e procuram unir-se. Todavia, é muito frequente que entre os encarnados na Terra, a afeição exista só de um lado e o mais sincero amor se veja colhido com indiferença e até com repulsão. E além disso, encontramos situações em que a mais viva afeição de dois seres se transforma em antipatia e mesmo em ódio.
Estas ocorrências, sob o ponto de vista da lei moral, constituem uma punição passageira. Além disso, "quantos não são os que acreditam amar perdidamente porque apenas julgam pelas aparências e que, obrigados a viver com a pessoa amada, não tardam a reconhecer que só experimentaram um encantamento material!”
Não basta uma pessoa estar enamorada de outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades. Vivendo realmente com ela é que poderá apreciá-la. Tanto assim que, muitas uniões, que a
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princípio parecem destinadas a nunca ser simpáticas, acabam por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, assente no conhecimento recíproco e na estima! Cumpre não esquecer que é o espírito quem ama e não o corpo, de sorte que, dissipada a ilusão material, o espírito vê a realidade.
Há duas espécies de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo, com frequência, tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efémera a do corpo. Daí vem que muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde que a ilusão se desfaz.
A falta de simpatia entre seres destinados a viver juntos constitui igualmente fonte de amargos dissabores que envenenam toda a existência. Todavia, essa é uma das infelicidades de que os seres humanos, na maioria das vezes, são a causa principal. Primeiramente, pelo erro das leis. Deus não constrange ninguém a permanecer junto dos que o desagradam. "Depois, nessas uniões, ordinariamente buscais a satisfação do orgulho e da ambição, mais do que a ventura de uma afeição mútua. Sofreis então as consequências dos vossos prejuízos.”
Nesse caso há quase sempre uma vítima inocente, que sofre uma dura expiação. Mas, a responsabilidade da sua desgraça recairá sobre os que a tiverem causado. Se a luz da verdade já lhe houver penetrado a alma, haurirá consolação na sua fé no futuro. Todavia, à medida que os preconceitos se enfraquecerem, as causas dessas desgraças íntimas também desaparecerão.
"Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade."" Porém, falta-lhes fundamento para semelhante temor. Isto provém da infância, quando procuram persuadi-las de que há um inferno e um paraíso e que mais certo é irem para o inferno, visto que também lhes disseram que o que está na Natureza constitui pecado mortal para a alma! Sucede então que, tornadas adultas, essas pessoas, se algum juízo têm, não podem admitir tal coisa e se fazem ateias ou materialistas. São assim levadas a crer que, além da vida presente, nada mais há.
Quem tem fé tem a certeza do futuro. Quem tem esperança conta com uma vida melhor. Quem tem caridade sabe que não tem de temer o mundo para onde vai.
O homem carnal, mais preso à vida corpórea do que à vida espiritual, tem na Terra penas e gozos materiais. A sua alma, constantemente preocupada e angustiada pelas vicissitudes da vida, conserva-se numa ansiedade e numa tortura aparentemente perpétuas. A morte assusta-o, porque duvida do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças.
O homem moral, que se colocou acima das necessidades fictícias criadas pelas paixões, experimenta já neste mundo gozos que o homem material desconhece. A moderação dos seus desejos dá-lhe calma e serenidade. Ditoso pelo bem que faz, não há para ele decepções; as contrariedades deslizam-lhe no íntimo, sem nenhuma impressão dolorosa deixarem.
10.1.6. DESGOSTO DA VIDA - SUICÍDIO
O desgosto da vida que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos, nasce da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade.
Para aquele que usa as suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida escoa-se mais rapidamente.
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Ele suporta as vicissitudes com tanta mais paciência e resignação, quanto obra com o fito da felicidade mais sólida e mais durável que o espera.
O homem não tem o direito de dispor da sua vida; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário é uma transgressão à lei.
O suicídio nem sempre é voluntário. "O louco que se mata não sabe o que
faz.”
O suicídio que decorre do desgosto da vida é uma insensatez. O trabalho torna a existência menos pesada.
Há quem se suicide para fugir às misérias e às decepções deste mundo. São pobres espíritos que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda os que sofrem. "As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Ai, porém, daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade, chamam acaso ou fortuna! O acaso ou a fortuna, para me servir da linguagem deles, podem, com efeito, favorecê-los por um momento, mas para lhes fazer sentir mais tarde, cruelmente, a vacuidade dessas palavras.”
Os que conduziram o infeliz do desesperado até ao suicídio sofrerão as consequências de tal proceder. "Ai deles! Responderão por um assassínio.”
Pode ser
considerado suicida aquele que, a braços com a maior penúria, se deixa morrer de fome. Mas, os causadores, ou que teriam podido impedi-lo, são mais culpados do que ele, a quem a indulgência espera. Mas, se lhe faltaram a firmeza e perseverança e se não usou de toda a sua inteligência para sair do atoleiro, ai dele, sobretudo se o seu desespero nasce do orgulho. Há pessoas que preferem morrer de fome a sacrificar o que chamam a sua posição social e se envergonhariam de dever a existência ao trabalho das suas mãos. "Haverá mil vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em afrontar a crítica de um mundo fútil e egoísta que só tem boa vontade para com aqueles a quem nada falta.”
O suicida que procura escapar à vergonha de uma acção má é tão culpado como aquele que tem por causa o desespero. Isto porque o suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso tê-la também para sofrer as consequências.
Comete outra loucura aquele que se mata, na esperança de chegar mais depressa a uma vida melhor, pois, assim agindo, retarda a sua entrada num mundo melhor e terá que pedir para voltar, para concluir a vida a que pôs termo sob o influxo de uma ideia falsa. Uma falta, seja qual for, jamais abre a alguém o santuário dos eleitos.
O sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes, constitui uma atitude sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não constitui suicídio. Mas, Deus opõe-se a todo o sacrifício inútil e não o pode ver de bom grado se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, não raro, quem o faz guarda oculto um pensamento que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.
O homem que perece vítima de paixões que sabia que lhe apressariam o fim, mas que já não podia resistir, por se terem tornado verdadeiras necessidades físicas, comete um suicídio moral. Nesse caso é duplamente culpado. Há nele falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de Deus.
É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe atribuiu à existência. É erro, portanto, alguém que vê diante de si um fim inevitável e horrível, querer abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos e apressar voluntariamente a sua morte. E quem poderá estar certo de que, mau grado as aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?
Mesmo no caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada alguns instantes, é sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador. A consequência de tal acto será uma expiação proporcional, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as circunstâncias.
Para aqueles que não podem conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram caras e se matam na esperança de juntar-se-lhes, será muito diferente o resultado que colhem. Em vez de se reunirem ao que era objecto da sua afeição, afastam- se dele por longo tempo, pois não é possível que Deus recompense um acto de covardia e ainda o insulto que Lhe fazem por duvidarem da Sua providência. Sofrerão, com isso, aflições maiores do que as que pensavam abreviar e não terão a satisfação que esperavam.
Com relação ao estado do espírito, as consequências do suicídio são muito diversas. "Não há penas determinadas e, em todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma consequência a que o suicida não pode escapar: é o desapontamento. Mas a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.”
A observação, realmente, mostra que os efeitos do suicídio não são idênticos. Há alguns , porém, comuns a todos os casos de morte violenta e que são a consequência da interrupção brusca da vida. Há, primeiro, a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o espírito ao corpo, por este estar quase sempre na plenitude da sua força no momento em que é partido, ao passo que, no caso de morte natural, ele enfraquece-se gradualmente e muitas vezes desfaz-se antes que a vida se extinga completamente. As consequências deste estado de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se a ilusão que, durante mais ou menos tempo, o espírito tem de, ainda, pertencer ao número dos vivos.
A afinidade que permanece entre o espírito e o corpo produz, nalguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no espírito, que, assim, a seu mau grado, sente os efeitos da decomposição, com uma sensação cheia de angústias e de horror, estado esse que também pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofre interrupção. Não é geral esse efeito; mas, em caso algum, o suicida fica isento das consequências da sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia, de um modo ou de outro, a culpa em que incorreu.
A Religião, a Moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário às leis da Natureza. Ao Espiritismo estava reservado demonstrar, pelos exemplos dos que sucumbiam, que o suicídio não é uma falta, somente por constituir infracção a uma lei moral, mas também um acto estúpido, pois nada ganha quem o pratica, pelo contrário prejudica-se.
10.2.1. O NADA - A VIDA FUTURA
encarnar, o espírito conhecia todas essas coisas e a alma conserva vaga lembrança do que sabe e do que viu no estado espiritual.
Desde sempre o homem se preocupou com o seu futuro para lá do túmulo. Qualquer que seja a importância que o ligue à vida presente, não pode furtar-se a considerar quanto à sua fugacidade e precariedade. Que será dele após o instante fatal? Questão grave esta, porque não se trata de alguns anos apenas, mas da eternidade.
A ideia do nada tem qualquer coisa que repugna à razão. O homem, por mais que seja despreocupado durante a vida, chegado o momento supremo pergunta a si mesmo o que vai ser dele e, sem querer, guarda esperança.
Crer em Deus, sem admitir a vida futura, seria um contra-senso. O sentimento de uma existência melhor reside no foro íntimo de todos os homens e não é possível que Deus o tenha colocado aí em vão.
A vida futura implica a conservação da nossa individualidade, após a morte. Com efeito, que nos importaria sobreviver ao corpo, se a nossa essência moral se perdesse no oceano do infinito? As consequências, para nós, seriam as mesmas de desaparecer no nada.
10.2.2. INTUIÇÃO DAS PENAS E GOZOS FUTUROS
A crença com que deparamos em todos os povos na existência de penas e recompensas, tem origem na sua realidade espiritual por ser um espírito reencarnado.
Os sentimentos que dominam os homens no momento da morte são: a dúvida, nos cépticos empedernidos; o terror, nos culpados; a esperança, nos homens de bem.
Uma vez que a alma encarnada tem a intuição da vida espiritual, os cépticos são em número menor do que se julga. Muitos fazem-se espíritos fortes, durante a vida, somente por orgulho. No momento da morte, porém, deixam de ser tão fanfarrões.
A responsabilidade dos nossos actos é a consequência da realidade da vida futura. A razão e a justiça dizem-nos que, na partilha da felicidade a que todos aspi-
ram, não podem estar confundidos os bons e os maus. Não é possível que Deus queira que uns gozem, sem trabalho, de bens que outros só alcançam com esforço e perseverança.
A ideia de que, mediante a sabedoria das Suas leis, Deus nos dá da sua justiça e da sua bondade não nos permite acreditar que o justo e o mau sejam iguais a seus olhos, nem duvidar de que recebam, algum dia, uma recompensa ou um castigo, pelo bem ou pelo mal que tenham feito. Fbr isso é que o sentimento inato que temos da justiça nos dá a intuição das penas e recompensas futuras.
10.2.3. INTERVENÇÃO DE DEUS NAS PENAS E RECOMPENSAS
Será que Deus se ocupa pessoalmente com cada homem? Não será Ele muito grande e nós muito pequeninos para que cada indivíduo em particular tenha, aos seus olhos, alguma importância?
Sim, Deus ocupa-se com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Fara a sua bondade, nada é destituído de valor.
Mas será
necessário que Deus atente em cada um dos nossos actos, para nos recompensar ou punir? Esses actos não serão, na sua maioria, insignificantes para ele?
Deus tem as suas
leis a regerem todas as nossas acções. Indubitavelmente, quando um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere contra ele um julgamento, dizendo- lhe, por exemplo: Foste guloso, vou punir-te. Ele traçou um limite; as enfermidades e muitas vezes a morte são a consequência dos excessos. Eis aí a punição; é o resultado da infracção da lei. Assim em tudo.
Todas as nossas acções estão submetidas às leis de Deus. Nenhuma há, por mais insignificante que nos pareça, que não possa ser uma violação daquelas leis. Se sofremos as consequências dessa violação, só nos devemos queixar de nós mesmos, que desse modo nos fazemos os causadores da nossa felicidade, ou da nossa infelicidade futura.
Deus é previdente e adverte-nos, a cada instante, que estamos a fazer bem ou mal. Envia-nos os espíritos para nos inspirarem, porém não os escutamos. E além disso, faculta sempre ao homem recursos para, concedendo-lhe novas existências, reparar os seus erros passados.
10.2.4. NATUREZA DAS PENAS E GOZOS FUTUROS
As penas e gozos da alma após a morte não podem ser materiais, pois a alma não é matéria.
Nada têm de carnal as penas e gozos; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os que experimentamos na Terra, porque o espírito, uma vez liberto, é mais impressionável, pois a matéria já não lhe reduz as sensações.
O homem faz uma ideia grosseira e absurda das penas e gozos da vida futura. Falta-lhe suficiente desenvolvimento da inteligência. A criança não compreende as coisas como o adulto.
Isso depende também do que se lhe ensinou e há nisso necessidade de uma reforma.
A felicidade dos bons espíritos consiste em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor que os une é para eles fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos espíritos é proporcional à elevação de cada um. Somente os puros espíritos gozam, é certo, da felicidade suprema, mas nem todos os outros são infelizes.
Entre os imperfeitos e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral.
Os sofrimentos dos espíritos inferiores são tão variados como as causas que os determinam e proporcionais ao grau de inferioridade, como os gozos são ao de superioridade. Fodem resumir-se assim:
1. Invejarem o que lhes falta para serem felizes e não o obterem;
2. Verem a felicidade e não a poderem alcançar;
3. Ftesar, ciúme, raiva, desespero, motivados pelo que os impede de serem ditosos;
4. Remorsos, ansiedade moral indefinível.
Desejam todos os gozos e não os podem satisfazer; eis o que os tortura.
A influência que os espíritos exercem uns sobre os outros depende das suas qualidades. Os bons exercem-na boa; os imperfeitos procuram desviar da senda do bem os que lhe são influenciáveis. Assim, a morte não nos livra da tentação.
As paixões não existem materialmente, mas existem no pensamento dos espíritos atrasados. Os ignorantes dão pasto a esses pensamentos, conduzindo as suas vítimas aos lugares onde se lhes ofereça o espectáculo daquelas paixões e de tudo o que as possa excitar.
É nisso precisamente, que consiste o suplício, pois essas paixões já não têm objecto real. Assim, "o avarento vê o ouro que lhe não é dado possuir; o devasso, orgias em que não pode tomar parte; o orgulhoso, honras que lhe causam inveja e de que não pode gozar.”
Quanto aos maiores sofrimentos a que os espíritos imperfeitos se vêem sujeitos, não há descrição possível da dor moral que constitui a punição de certos crimes.
Mesmo o que a sofre tem dificuldade em dar dela uma ideia. Indubitavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensarem que estão condenados sem remissão.
Os espíritos inferiores compreendem a felicidade do justo, e isso é para eles um suplício porque compreendem que estão privados dela por sua culpa. Daí resulta que o espírito, liberto da matéria, aspira a nova vida corporal, pois cada existência, se for bem empregada, abrevia um tanto a duração desse suplício. É então que procede à recolha das provas por meio das quais possa expiar suas faltas. Forque o espírito sofre por todo o mal que praticou, ou de que foi causa voluntária, por todo o bem que tinha podido fazer e não fez e por todo o mal que decorra de não ter feito o bem.
"Os espíritos entre os quais há recíproca simpatia para o bem encontram na sua união um dos maiores gozos, uma fonte de felicidade, visto que não receiam vê- la turvada pelo egoísmo. Formam, no mundo inteiramente espiritual, famílias pela identidade de sentimentos. Na afeição pura e sincera a que se votam reciprocamente, têm um manancial de felicidade, porquanto lá não há falsos amigos, nem hipócritas.”
A crença no Espiritismo ajuda o homem a melhorar-se, firmando-lhe as ideias sobre certos pontos do futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque faculta informação sobre o que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que nos guia. O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação, afasta-o dos actos que possam retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ser conseguida.
Só o bem assegura a sorte futura. O bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.
10.2.5. PENAS TEMPORAIS
"Não experimenta sofrimentos materiais o espírito que expia as suas faltas em nova existência? Será então exacto dizer-se que, depois da morte, só há para a alma sofrimentos morais?
- É bem verdade que quando a alma está reencarnada, as tribulações da vida são um sofrimento, mas só o corpo sofre materialmente.”
Falando de alguém que morreu, costumamos dizer que deixou de sofrer. Nem sempre isto exprime a realidade. Como espírito, está isento de dores físicas; porém, dependendo das faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a dores morais mais agudas. O mau rico terá que pedir esmola e ver-se-á a braços com todas as privações oriundas da miséria; o orgulhoso, com todas as humilhações; o que abusa de sua autoridade e trata com desprezo e dureza os seus subordinados ver-se-á forçado a obedecer a um superior mais ríspido do que ele foi. Todas as penas e tribulações da vida são expiação das faltas de outra existência, quando não são a consequência das da vida actual.
A reencarnação da alma num mundo menos grosseiro é a consequência da sua depuração, porque, à medida que se vão depurando, os espíritos passam a encarnar em mundos cada vez mais perfeitos, até que se tenham despojado totalmente da matéria e lavado de todas as impurezas.
Nos mundos onde a existência é menos material do que neste, as necessidades são menos grosseiras e menos agudos os sofrimentos físicos. Lá, os homens desconhecem as paixões más, que, nos mundos inferiores, os fazem inimigos uns dos outros. Desconhecem os aborrecimentos que nascem da inveja, do orgulho e do egoísmo, causas do tormento da nossa existência terrestre.
10.2.6. EXPIAÇÃO E ARREPENDIMENTO
O arrependimento dá-se no estado espiritual, mas também pode ocorrer no estado corporal, quando a pessoa compreende bem a diferença entre o bem e o mal.
Como consequência do arrependimento no estado espiritual, o arrependido deseja uma nova encarnação para se purificar. O espírito compreende as imperfeições que o privam de ser feliz e, por isso, aspira a uma nova existência em que possa expiar as suas faltas.
O arrependimento no estado corporal faz com que, já na vida actual, o espírito progrida, se reparar as suas faltas. Quando a consciência o exprobra e lhe mostra uma imperfeição, o homem pode sempre melhorar-se.
Há homens que só têm o instinto do mal e são inacessíveis ao arrependimento. Porém, todo o espírito tem que progredir incessantemente. Aquele que, nesta vida, só tem o instinto do mal, terá noutra o do bem e é para isso que renasce muitas vezes, pois é preciso que todos progridam e atinjam a meta. A diferença é que uns gastam mais tempo do que outros, porque assim o querem. Aquele que só tem o instinto do bem já se purificou, visto que talvez tenha tido o do mal em anterior existência.
O homem perverso que não reconheceu as suas faltas durante a vida, reconhece-as sempre depois da morte e, então, mais sofre, porque sente em si todo o mal que praticou, ou de que foi voluntariamente a causa. Contudo, nem sempre o arrependimento é imediato. Há espíritos que se obstinam em permanecer no mau caminho, não obstante os sofrimentos por que passam. Porém, cedo ou tarde, reconhecerão errada a senda que tomaram e o arrependimento virá. Os bons espíritos trabalham para esclarecê-los. Também os encarnados poderão ajudá-los através dos trabalhos de desobsessão, da prece e do esclarecimento espiritual.
Não se deve perder de vista que o espírito não se transforma subitamente, após a morte do corpo. Se viveu vida condenável, é porque era imperfeito. Ora, a morte não o torna imediatamente perfeito. Pode, pois, persistir com os seus erros, nas suas falsas opiniões, nos seus preconceitos, até que se tenha esclarecido pelo estudo, pela reflexão e pelo sofrimento.
A expiação cumpre-se durante a existência corporal, mediante as provas a que o espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao estado de inferioridade do espírito.
O arrependimento durante a vida concorre para a melhoria do espírito, mas isto não é suficiente para anular as suas faltas; ele tem que expiar o seu passado.
Podemos já desde esta vida ir resgatando as nossas faltas, reparando-as. Porém, não creiamos que bastam para isso algumas privações pueris ou a simples distribuição em esmolas do que possuímos, depois da morte, quando de nada mais precisaremos. "Deus não dá valor a um arrependimento estéril, sempre fácil e que ape
nas custa o esforço de bater o peito. A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um serviço, apaga mais faltas do que o suplício da carne suportado durante anos, com objectivo exclusivamente pessoal.”
Só por meio do bem se repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta, se não atinge o homem nem no seu orgulho, nem nos seus interesses materiais.
De que serve, para sua justificação, que restitua, depois de morrer, os bens mal adquiridos, quando se lhe tornaram inúteis e deles tirou todo o proveito?
De que lhe serve privar-se de alguns gozos fúteis, de algumas coisas supérfluas, se permanece integral o dano que causou a outrém?
De que lhe serve, finalmente, humilhar-se diante de Deus, se, perante os homens, conserva o seu orgulho?
10.2.7. DURAÇÃO DAS PENAS FUTURAS
A duração dos sofrimentos do culpado, na vida futura, não é arbitrária, pois Deus nunca obra caprichosamente e tudo, no Universo, se rege por leis, em que a Sua sabedoria e a Sua bondade se revelam.
Assim, a duração dos sofrimentos do culpado baseia-se no tempo necessário para que se melhore. Sendo o estado de sofrimento ou de felicidade proporcional ao grau de purificação do espírito, a duração e a natureza dos seus sofrimentos dependem do tempo que ele gaste em melhorar- se. À medida que progride e os sentimentos se depuram, os seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.
Para o espírito sofredor, o tempo afigura-se mais longo do que quando estava encarnado. Só para os espíritos que já chegaram a certo grau de purificação, o tempo, por assim dizer, se apaga diante do infinito.
Os sofrimentos do espírito não poderão ser eternos, pois ele não poderá ser eternamente ignorante e jamais se arrepender. Deus não criou seres tendo por destino permanecerem votados perpetuamente ao mal. Apenas os criou a todos simples e ignorantes, tendo todos, no entanto, que progredir em tempo mais ou menos longo,
conforme decorrer da vontade de cada um.
Mais ou menos tardia pode ser a vontade, porém, cedo ou tarde, ela aparece, por efeito da irresistível necessidade que o espírito sente de sair da inferioridade e de se tornar feliz. Eminentemente sábia e magnânima é, pois, a lei que rege a duração das penas, porquanto subordina essa duração aos esforços do espírito. Jamais o priva do seu livre-arbítrio: se deste faz mau uso, sofre as consequências.
Desse modo, as penas jamais poderão ser eternas, coisa que o bom senso e a razão repelem, pois uma condenação perpétua, motivada por alguns momentos de erro, seria a negação da bondade de Deus.
Os antigos, na ignorância em que se achavam, consideravam o Senhor do Universo um deus terrível, cioso e vingativo; atribuíam-lhe as paixões dos homens. Todavia, esse não é o Deus dos cristãos que considera o amor, a caridade, a misericórdia e o perdão, como virtudes principais. Poderia, pois, Deus carecer dessas qualidades, cuja posse prescreve, como dever, às suas criaturas? Não haverá contradição em lhe atribuir a bondade infinita e a vingança também infinita? Dizemos que, acima de tudo, Ele é justo e que o homem não Lhe compreende a justiça. Porém, a justiça não exclui a bondade e Ele não seria bom se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria das suas criaturas. Aliás, em fazer com que a duração das penas dependa dos esforços do culpado está toda a sublimidade da justiça unida à bondade. É aí que se encontra a verdade desta sentença: A cada um segundo as suas obras.
A ideia da eternidade das penas deve, pois, ser combatida, por ser blasfémia à justiça e à bondade de Deus, germe fecundo da incredulidade, do Materialismo e da indiferença que invadiu as massas, desde que as inteligências começaram a desenvolver-se.
10.2.8. PARAÍSO, INFERNO E PURGATÓRIO
As penas e gozos são inerentes ao grau de perfeição dos espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio da sua felicidade ou da sua desgraça. E como eles estão por toda a parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais ou menos felizes ou desgraçados conforme é mais ou menos adiantado o mundo onde habitam.
O inferno e o paraíso, assim, nada mais são do que simples alegorias. Por toda a parte há espíritos ditosos e desditosos. Entretanto, os espíritos de uma mesma ordem reúnem-se por simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.
A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só existe na imaginação do homem. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não lhe é possível compreender.
Por purgatório deve entender-se as dores físicas e morais: o tempo de expiação. O que o homem chama purgatório é igualmente uma alegoria, devendo-se entender como tal, não um lugar determinado, porém, o estado dos espíritos imperfeitos, que se acham em expiação até alcançarem a purificação completa, que os levará à categoria dos espíritos bem-aventurados. Operando-se essa purificação por meio das diversas encarnações, o purgatório consiste nas provas da vida corporal.
A palavra céu deve ser entendida no sentido de espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos os mundos superiores, onde os espíritos usam plenamente as suas faculdades, sem as tribulações da vida material, nem as angústias peculiares à inferioridade.
De acordo com a ideia restrita que se fazia outrora dos lugares das penas e das recompensas e, sobretudo, de acordo com a opinião de que a Terra era o centro do Universo, de que o firmamento formava uma abóbada e que havia uma região das estrelas, o céu era situado no alto e o inferno em baixo. Daí as expressões: subir ao céu, estar no mais alto dos céus, ser precipitado no inferno. Hoje, que a Ciência demonstrou ser a Terra apenas, entre tantos milhões de outros, um dos menores mundos, sem importância especial; que provou ser infinito o espaço, não haver alto nem baixo no Universo, teve que se renunciar a situar o céu acima das nuvens e o inferno nos lugares inferiores. Quanto ao purgatório, nenhum lugar lhe fora designado. Estava reservado ao Espiritismo dar de tudo isso a explicação mais racional, mais grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora para a humanidade. Pode-se, assim, dizer que trazemos em nós mesmos o nosso inferno e o nosso paraíso. O purgatório, achamo-lo na encarnação, nas vidas corporais ou físicas.
A última questão de O Livro dos Espíritos, de cuja resposta extraímos apenas as partes que nos interessam de momento, é a seguinte: 'Poderá, um dia, implantar- se na Terra o reinado do bem?
O bem reinará na Terra quando, entre os espíritos que a vêm habitar, os bons predominarem, porque, então, farão com que aí reinem o amor e a justiça, fonte do bem e da felicidade. Por meio do progresso moral e praticando as leis de Deus é que o homem atrairá para a Terra os bons espíritos e dela afastará os maus. Estes, porém, não a deixarão, senão quando daí estejam banidos o orgulho e o egoísmo.
Foi predita a transformação da humanidade e está próximo o momento em que se dará, momento cuja chegada apressa todos os homens que auxiliam o progresso. Essa transformação verificar-se-á por meio da encarnação de espíritos melhores que constituirão na Terra uma geração nova. Então, os espíritos inferiores, que a morte vai ceifando dia a dia, e todos os que tentem deter a marcha das coisas serão daí excluídos, pois estariam deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ajudando, ao mesmo tempo, os seus irmãos ainda mais atrasados. Neste dado, poderemos perceber as alegorias do paraíso perdido, quando o homem veio para a Terra em condições análogas, e do pecado original, ao trazer em si o germe das suas paixões e os vestígios da sua inferioridade. Essa figura do pecado original prende-se, assim, à natureza ainda imperfeita do homem, que é responsável por si mesmo, pelas suas próprias faltas e não pelas dos seus pais.
FELICIDADE E INFELICIDADE RELATIVAS
O homem terreno pode gozar apenas de uma felicidade incompleta, pois a vida proporciona-lhe, sobretudo, provas ou expiações. Porém, depende dele abrandar os seus males e ser tão feliz quanto é possível na Terra.
Na maioria das vezes o homem é o artífice da sua própria infelicidade, pois se praticasse a lei de Deus livrar-se-ia de muitos males.
A felicidade terrena é relativa à posição de cada pessoa. Porém, podemos dizer que a medida comum da felicidade para os homens está na seguinte fórmula: para a vida material é a posse do necessário; para a vida moral, a consciência pura e a fé no futuro.
Os males que ferem o homem mais justo e que independem da sua maneira de agir devem ser encarados com resignação, pois isso representa uma prova que lhe será levada em conta, se a suportar com coragem e sem queixas.
Aos olhos dos que enxergam apenas o presente, certas pessoas parecem favorecidas pela fortuna sem a merecerem. Porém, a fortuna é uma prova mais perigosa do que a miséria.
Quando falta ao homem o necessário à vida e à saúde do corpo, não por culpa sua, mas ocasionada por outrem, a responsabilidade recairá sobre aquele que a causou.
Em afastarem-se os homens da sua esfera intelectual e profissional propícia às suas inclinações e aptidões reside a causa de muitas decepções e desajustamentos. Depois, o amor-próprio impede, muitas vezes, que a pessoa recorra a uma profissão mais modesta, porém, mais adequada à sua vocação.
Com uma organização social mais justa e previdente, só por culpa sua poderia faltar ao homem o necessário. As suas faltas, todavia, são, frequentemente, resultado do meio em que se acha colocado. As classes sofredoras são mais numerosas na Terra por ser um planeta de expiação e provas. Porém, as classes chamadas felizes, na verdade, trazem ocultas aflições, concluindo-se que nenhuma é verdadeiramente feliz.
Diz-se que no mundo, muito amiúde, a influência dos maus sobrepõe a dos bons. Os imperfeitos são intrigantes e audaciosos, os bons são reservados. Quando estes o quiserem, preponderarão.
A perda dos entes queridos constitui para o homem uma legítima causa de dor, que atinge indistintamente ricos e pobres, e representa uma prova ou expiação. Todavia, temos, por vezes, a consolação de podermos comunicar com eles através de médiuns, enquanto não dispusermos de meios mais directos e acessíveis aos nossos sentidos.
Os espíritos são sensíveis à lembrança e à saudade dos que lhes foram caros na Terra. As dores inconsoláveis e desarrazoadas atingem-nos penosamente, pois denotam falta de fé no futuro e de confiança em Deus, porque é um obstáculo ao adiantamento dos que os choram e também à sua reunião com eles. Normalmente, o espírito é mais feliz no Espaço que na Terra e lamentar que ele tenha deixado a vida corpórea é deplorar que seja feliz.
DECEPÇÕES, INGRATIDÃO, AFEIÇÕES DESTRUÍDAS
Para o homem de coração, as decepções originadas pela ingratidão e pela fragilidade dos laços de amizade são também uma fonte de amargura. Devemos, porém, lastimar os ingratos porque são infelizes. A ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta encontrará corações insensíveis como o seu.
O bem deve ser praticado sem exigências; a ingratidão é uma prova à nossa perseverança no exercício do bem. O ingrato será punido na proporção exacta do seu egoísmo.
A Natureza deu ao homem a necessidade de amar e ser amado. É um grande gozo o homem encontrar na Terra corações afins. É a primícia da felicidade que o aguarda no mundo dos espíritos perfeitos, onde tudo é o amor e benignidade. Desse gozo está excluído o egoísta.
Os espíritos simpáticos buscam-se reciprocamente e procuram unir-se. Todavia, é muito frequente entre os encarnados na Terra existir a afeição só de um lado e o amor sincero se veja colhido com indiferença e até com repulsão.
Estas ocorrências, à luz das leis morais, constituem uma punição passageira. Além disso, muitos acreditam amar perdidamente porque julgavam pelas aparências e quando obrigados a viver com as pessoas amadas, passam a reconhecer que experimentaram apenas um encantamento.
Há duas espécies de afeição: a do corpo e a da alma. Com frequência as pessoas enganam-se e tomam uma pela outra.
A afeição da alma, quando pura e sincera, é duradoura; a do corpo é efémera. Daí vem que, muitas vezes, os que julgam amar-se com eterno amor passem a odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.
A falta de simpatia entre seres destinados a viverem juntos constitui fonte de amargos dissabores, que envenenam toda a existência. Essa é uma das infelicidades de que os seres humanos, quase sempre, são a causa principal. Deus não constrange ninguém a permanecer junto dos que o desagradam.
Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade. Porém, falta-lhes fundamento para semelhante temor. Isto provém da sua infância, quando procuraram persuadi-las de que há um inferno e um paraíso e que mais certo é irem para o inferno, visto que também lhes disseram que o que existe na Natureza constitui pecado mortal para a alma. Tornadas adultas, não podem admitir tal coisa e tornam-se materialistas, levadas a crer que, além da vida presente, nada mais há.
Ao justo, nenhum temor inspira a morte, porque, com fé, ele tem a certeza do futuro.
O homem carnal, preso à vida corpórea, centraliza a sua felicidade na satisfação fugaz de todos os seus desejos e, por isso, constantemente se angustia face às vicissitudes da vida. A morte assusta-o; duvida do futuro porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças.
O homem moral, coloca-se acima das necessidades artificiais criadas pelas paixões e ,já neste mundo, experimenta gozos que o homem material desconhece. A moderação dos desejos dá-lhe calma e serenidade; ditoso pelo bem que faz, as decepções e contrariedades não deixam impressão dolorosa na sua alma.
O desgosto da vida que, sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos, nasce da ociosidade, da falta de fé e, também, da saciedade.
Para aquele que usa as suas faculdades com um fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida escoa-se mais rapidamente.
O homem não tem o direito de dispor da sua vida; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário constitui uma transgressão à lei. O suicídio nem sempre é voluntário; o louco que se mata não sabe o que faz.
O suicídio decorrente do desgosto da vida é uma insensatez. O trabalho torna a existência menos pesada.
Os que se suicidam para fugirem às decepções deste mundo são pobres espíritos que não têm a coragem de suportar as vicissitudes da existência. Deus ajuda os que sofrem.
Os que possam ter conduzido um infeliz ao desesperado acto do suicídio sofrerão as consequências de tal proceder; responderão como por um assassínio.
É considerado suicida aquele que, a braços com a maior penúria, se deixa morrer de fome. Porém, os causadores, ou que teriam podido impedi-lo, são mais culpados do que ele, a quem a indulgência espera. Mas, se lhe faltaram a firmeza, a perseverança e não usou toda a sua inteligência para sair do atoleiro, ai dele, sobretudo, se o seu desespero nasce do orgulho.
O suicida que procura esse meio para escapar à vergonha de uma acção má é tão culpado como aquele que tem por causa o desespero. Isto porque o suicídio não apaga a falta; em vez de uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso tê-la também para sofrer as consequências.
Comete outra loucura quem se mata para chegar mais depressa a uma vida melhor, pois retarda essa chegada e terá que pedir para voltar, para concluir a vida a que pôs termo sob domínio de uma ideia falsa.
O homem que perece vítima de paixões, consciente de que elas apressariam o seu fim sem conseguir resistir-lhes, por tê-las tornado vício das necessidades físicas, comete um suicídio moral. É duplamente culpado, pois há nele falta de coragem e bestialidade, acrescidas do esquecimento de Deus.
É também culpado perante a lei divina aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. Outrossim, mesmo no caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada por alguns instantes, é sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador, que a tudo confere um fim útil.
Aqueles que não podem conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram caras e que se matam na esperança de juntar-se a elas, é muito diverso do que esperam o resultado que colhem. Sofrerão aflições maiores do que as que pensaram abreviar e não terão a satisfação que esperavam.
Quanto ao estado do espírito, as consequências do suicídio são muito diversas. Não há penas determinadas e correspondem sempre às causas que o produziram. Uma consequência a que o suicida não pode escapar é ao desapontamento. Conforme as circunstâncias, alguns suicidas expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.
Os efeitos do suicídio não são idênticos. Há alguns, porém, que são comuns a todos os casos de morte violenta, consequentes da interrupção brusca da vida. Há, primeiro, a persistência prolongada e tenaz do laço que une o espírito ao corpo, por este laço estar na plenitude da sua força no momento em que se tenta parti-lo. Como decorrência desse brusco rompimento, advém o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se a ilusão que o espírito conserva, por mais ou menos tempo, de que ainda pertence ao número dos vivos.
A afinidade que permanece entre o espírito e o corpo produz, em alguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no espírito, que, assim, a contragosto, sente os efeitos da decomposição, com uma sensação cheia de angústia e de horror, estado esse que pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu interrupção.
O homem tem instintivamente horror ao nada porque o nada não existe. O homem possui, igualmente, o sentimento instintivo da vida futura, pois antes de encarnar o espírito conhecia todas essas coisas e a alma conserva vaga lembrança disso.
A ideia do nada repugna à razão. O homem, por mais despreocupado que seja durante a vida, chegado o momento supremo, pergunta a si mesmo o que vai ser dele e, sem querer, guarda esperança.
Crer em Deus, sem admitir a vida futura, seria um contra-senso. A vida futura implica a conservação da nossa individualidade, após a morte.
INTUIÇÃO DAS PENAS E GOZOS FUTUROS
A crença com que deparamos em todos os povos, na existência de penas e nas suas recompensas, tem origem na realidade espiritual, como espírito imortal.
Os sentimentos que dominam os homens no momento da morte são: a dúvida, nos cépticos e empedernidos; o temor, nos culpados; a esperança, nos homens de bem.
A responsabilidade dos nossos actos é a consequência da realidade da vida futura. A razão e a justiça dizem-nos que, na partilha da felicidade a que todos aspiram, não podem estar confundidos os bons e os maus. Não é possível que Deus queira que uns gozem, sem trabalho, de bens que outros só alcançam com esforço e perseverança. O sentimento inato que temos da justiça dá-nos a intuição das penas e recompensas.
INTERVENÇÃO DE DEUS NAS PENAS E RECOMPENSAS
Deus ocupa-se, pessoalmente, com cada homem? Não é Ele muito grande e nós muito pequeninos para que cada indivíduo em particular tenha, a seus olhos, alguma importância?
Deus ocupa-se com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Nada, para a sua bondade, é destituído de valor.
Deus tem as suas leis a regerem todas as nossas acções. Se as violamos, a culpa é nossa. Quando um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere contra ele um julgamento. Ele traçou um limite; as enfermidades e, muitas vezes a morte, são a consequência dos excessos. Eis aí a punição: é o resultado da infracção da lei.
Deus ainda nos previne e nos adverte sempre, através da inspiração dos bons espíritos, e ainda faculta ao homem recursos para reparar os seus erros concedendo- lhe novas existências.
NATUREZA DAS PENAS E GOZOS FUTUROS
As penas e gozos da alma após a morte não são materiais, pois a alma não é matéria. Nada têm de carnal; entretanto, são mil vezes mais vivos do que os que experimentamos na Terra. O espírito liberto tem percepções muito maiores, pois a matéria já não lhe reduz as sensações.
A ideia grosseira e absurda que o homem faz das penas e gozos da vida futura provém da falta de suficiente desenvolvimento da inteligência. Depende também do que lhe foi ensinado e há nisso necessidade de uma reforma.
A felicidade dos bons espíritos consiste em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor que os une é para eles fonte de suprema felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos espíritos é proporcional à elevação de cada um. Entre os imperfeitos e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral.
Os sofrimentos dos espíritos inferiores são tão variados como as causas que os determinaram e proporcionais ao grau de inferioridade, como os gozos o são ao de superioridade. Podem resumir-se assim: invejarem o que lhes falta para serem felizes e não o obterem; verem a felicidade e não a poderem alcançar; pesar, ciúme, raiva, desespero, motivados pelo que os impede de ser ditosos; remorsos, ansiedade moral indefinível. Desejam todos os gozos e não os podem satisfazer; eis o que os tortura.
É verdade que à alma quando está reencarnada, as tribulações da vida fazem- na sofrer; porém, só o corpo sofre materialmente.
Falando de alguém que morreu, costumamos dizer que deixou de sofrer. Nem sempre isso exprime a realidade. Como espírito, está isento de dores físicas; mas dependendo das faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a dores morais mais agudas. Todas as penas e tribulações da vida são expiação das faltas de outra existência, quando não a consequência das da vida actual.
À medida que se vão depurando, os espíritos passam a encarnar em mundos cada vez mais perfeitos, até que se tenham despojado totalmente da matéria e lavado de todas as impurezas. Nos mundos onde a existência é menos material do que neste, as necessidades são menos grosseiras e menos agudos os sofrimentos físicos.
O arrependimento dá-se no estado espiritual, mas também pode ocorrer no estado corporal, quando a pessoa compreende bem a diferença entre o bem e o mal.
Como consequência do arrependimento no estado espiritual, o arrependido deseja uma nova encarnação para se purificar. O espírito acaba por compreender as imperfeições que o privam de ser feliz e, por isso, aspira a uma nova existência em que possa expiar as suas faltas.
O arrependimento no estado corporal faz com que, já na vida actual, o espírito progrida, se reparar as suas faltas.
Homens que só têm o instinto do mal e parecem inacessíveis ao arrependimento, através das reencarnações, adquirirão o instinto do bem, pois é preciso que todos progridam e atinjam a meta. Uns gastam mais tempo do que outros, porque assim o querem.
O homem perverso, que não reconheceu as suas faltas durante a vida, reconhece-as sempre depois da morte e, então, mais sofre, porque sente em si todo mal que praticou. Nem sempre o arrependimento é imediato. Há espíritos obstinados no mau caminho, mas cedo ou tarde ele virá. Deve-se entender que o espírito não se transforma subitamente, após a morte do corpo e conforme o género de vida que teve; poderá persistir nos seus erros, nas suas falsas opiniões, nos seus preconceitos, até que se tenha esclarecido pelo estudo, pela reflexão e pelo sofrimento.
A expiação cumpre-se durante a existência corporal, mediante as provas a que o espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao estado de inferioridade do espírito.
A duração dos sofrimentos do culpado, na vida futura, não é arbitrária, pois Deus nunca obra caprichosamente e tudo, no Universo, se rege por leis, em que a Sua sabedoria e a Sua bondade se revelam.
Assim, a duração dos sofrimentos do culpado baseia-se no tempo necessário para que melhore. À medida que progride e os sentimentos se depuram, os seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.
Para o espírito sofredor, o tempo afigura-se mais longo do que quando estava encarnado. Só para os espíritos que já chegaram a certo grau de purificação, o tempo, por assim dizer, se apaga diante do infinito.
Os sofrimentos do espírito não podem ser eternos, pois ele não poderá ser eternamente ignorante e jamais se arrepender. Deus não criou seres tendo por destino permanecerem perpetuamente votados ao mal; apenas os criou a todos simples e ignorantes, tendo todos, no entanto, que progredir em tempo mais ou menos longo, conforme a vontade de cada um.
A lei sábia e magnânima subordina a duração das penas aos esforços do espírito. Jamais o priva do seu livre-arbítrio: se deste faz mau uso, sofre as consequências. Aí está toda a sublimidade da justiça unida à bondade, e aí também se encontra a verdade desta sentença: A cada um segundo as suas obras.
A ideia da eternidade das penas é blasfémia à justiça à bondade da Deus, germe fecundo da incredulidade, do Materialismo e da indiferença que invadiu as criaturas humanas e, por isso, deve ser combatida.
As penas e gozos são inerentes ao grau de perfeição dos espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio da sua felicidade ou da sua desgraça. E como eles estão por toda a parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa.
O inferno e o paraíso nada mais são do que simples alegoria. Por toda a parte há espíritos ditosos e inditosos. Os espíritos de uma mesma ordem podem reunir-se por simpatia, mas podem fazê-lo onde queiram, quando são perfeitos. A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só existe na imaginação do homem. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não compreende.
Entende-se por purgatório as dores físicas e morais; o tempo de expiação. É também uma alegoria, não é um lugar determinado; significa o estado dos espíritos imperfeitos que se acham em expiação até atingirem alguma purificação. Esta purificação, operando-se através das diversas reencarnações. O purgatório consistiria, quando muito, nas provas da vida corporal.
A palavra céu tem o sentido de espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos os mundos superiores, onde os espíritos usam plenamente as suas faculdades, sem as tribulações da vida material, nem as angústias próprias da inferioridade.
(1) Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, 4a. Parte. Caps. I e II ; 33.a Edição, 1974, da Federação Espírita Brasileira.
(2) Allan Kardec, O Céu e o Inferno, 1a Parte, Caps. I e VII, 19.a Edição, 1963, da Federação Espírita Brasileira.
[*] Todo este caderno foi elaborado com base em O Livro dos Espíritos, Quarta Farte, Cap. I e II, correspondendo as citações colocadas entre aspas ao texto da tradução da 33.a edição da FEB.
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